Estou sentada neste canto como se numa página de um livro em branco, pleno de palavras ausentes escritas em tons de fogo. Debaixo dos meus pés, ainda descalços, sinto a força mágica de uma relva macia que rasga a terra húmida na urgência de sobreviver.
Ao meu redor é noite escura onde vagueiam ecos de gente feliz e restos de frio bordados de neblina mansa, perfumada de maresia. Adivinho veios de salitre nos olhos das vozes que se desgarram das ruas e se colam aos vidros das janelas do meu quarto.
Sinto cega, a noite, e absorta a lua nos reflexos adormentados das ondas entristecidas da ria. E pressinto a leveza do bailado das palmeiras ao som da brisa do fundo da cidade.
Fecho os olhos e abro serenamente a minha alma, janela virada para o mar, e pinto um farol no recanto mais profundo do teu olhar... e um fundo azul... e um abraço... e o sabor dos teus lábios. Guardo as tuas mãos nas minhas e entrego-te o meu sorriso...
De volta aos meus dedos, reparo que terei que inventar uma nova artéria, no meu peito, onde possa correr, livre, a seiva com que pintei este quadro que não cabe nos contornos de uma simples página de um livro em branco, pleno de palavras ausentes, escritas em tons de fogo a que simplesmente dei o nome de "saudades".
Cris (Sussurros fora do Tempo)
6 comentários:
...assim não vale! não sabia que eras uma concorrente das artes...quando fizeres uma exposição gostaria que me convidasses.
Saudades é um belo tema português; figurativa?...ou expressionista?!
Fica bem, beijinhos.
Acabei agora mesmo um post...poético(?!)
E assim se reinventa o sentir saudade
Não é mt fácil que alguém, algum dia, me dê oportunidade de fazer essa exposição porque as tintas das minhas telas são palavras mas, quem sabe? Talvez os investidores em artes descubram q por acaso que também se pode dar cor às palavras...
Boa questão... entre estas duas formas considero-me mais figurativa q expressionista, uma vez que pego na minha folha em branco e começo a pincelar do concreto para o abstracto, amenizando as cores à medida q dou forma às palavras. No entanto,por vezes, distorço as formas de uma forma subjectiva, intuitiva e espontânea, o q me colocaria no campo do expressionismo, n fora o pequeno detalhe de tentar evitar o exagero.
Assim sendo, talvez me situe algures no espaço q medeia a arte figurativa e a expressionista.
Ainda achas q arriscavas a tal exposição?
Beijinho
Alexandre,
A saudade reinventa-se a cada momento, a cada gesto...
E intensifica-se... mas eu gosto de sentir saudades!~
beijinho
...quem disse que as palavras não têm cores?
Com alguma criatividade e...rotina, toda a gente expõe. O que estás a fazer aqui no teu blog senão a expor(te)?
Um beijinho para a "artista plástica". Intés!!
A Saudade é tudo isso que escreveste. É cheiro e fogo e brisa suave; é mar e rio e duna... acontece quando o objecto desse sentimento se reflecte em tudo o que contemplas e que é belo, e quando te desintegras em milhões de partículas para também tu fazeres parte desse todo, onde ambos se fundem em pensamento e alma.
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