terça-feira, março 17, 2009

Um dia aprendi a ler...

Foto: Cristina Fidalgo



Como alguns de vocês sabem, sou professora de Português. Mas tb sabem que quando entro nesta seara, onde as sementes vão crescendo, nem me lembro que o sou. Entro aqui sem estatuto profissional, apenas como alguém para quem as palavras são tesouros! Se hoje me refiro a este pormenor é, apenas, porque gostava de partilhar convosco o que me levou a gostar tanto do que faço... Partilhar o que se gosta é um dos meus princípios de vida. Apenas por isso o faço e, se de entre vós, conseguir que apenas um/a fique a gostar um pouco mais de misturar estes pequenos símbolos, a q se convencionou chamar de letras por forma a criar pequenas e simples palavras, que às vezes dizem coisas tão importantes e tão grandes, então darei por bem empregue o pedacinho de vida que dediquei a este canto e a esta mensagem, em particular!...

Ao longo do meu percurso escolar fui sempre uma aluna muito pouco brilhante a Português. Lia as obras que me impunham apenas por obrigação e somente quando não conseguia encontrar os seus resumos, ou um colega que me desse apontamentos já redigidos. Tudo me parecia insípido e maçador: legados velhos, que outros tantos velhos tinham deixado como herança _ daquelas heranças que, depois de arrumado o sótão, apenas um décimo do seu espaço fica ocupado por algo que minimamente se aproveite.
Não sou, nem nunca fui, materialmente ambiciosa por isso também esta herança pouco me dizia.
A par de tudo isto, nunca um professor de Português me tinha falado da sua disciplina com um pequeno brilho que fosse, no olhar!

Um dia, porém, vi-me na eminência de perder um ano da minha vida, apenas pq não conseguia entrar para o 12º ano se n completasse o 11º... e faltava-me apenas passar a Português!!!!
Contrariada, aceitei a única solução apresentada pelo meu pai e à qual n tinha meios de fugir: Explicações durante o Verão!
Claro que me senti a mais infeliz das criaturas quando imaginei a troca da praia pela casa do explicador, a toalha pelos livros e o mar por um quadro negro. Além de q tudo isto significava um enorme deficit nas minhas horinhas de namoro apaixonado... Mas, como contra factos não adianta argumentar e o meu pai era um doce, mas não admitia "mas", lá fui eu, mais triste que os tristes, num dia lindo de sol e de calor em q até os pobres passarinhos pareciam gozar com a minha cara.
O explicador era um Sr. já idoso, com uma linguagem erudita e tão feio q metia dó!... Mas tão lindo por dentro q dava gosto ouvi-lo!...
Não foi preciso mais do q uma explicação para q a ideia de suplício se esfumasse e em seu lugar nascesse uma grande admiração pela palavra. Aquele homem vibrava quando falava de Almeida Garrett, Eça de Queirós, Aquilino ou Junqueiro e todos os tais velhinhos que afinal começavam a não me parecer tão “chatos” assim...
O professor Jaime Vilar, assim se chamava aquele "artista das palavras", sorria por cada um dos seus poros quando falava, falava como quem respira, e fazia-me sonhar! Em cada obra que me ensinava, embrenhava-me nela como se eu fosse uma das personagens. Eu pousava os meus olhos nas páginas dos livros e entrava nelas de corpo e alma, vivendo cada uma daquelas vidas como se fossem minhas.
Quando acabava a explicação, sentia até pena... consolava-me apenas o facto de ter à minha espera, do outro lado da ria, um outro olhar brilhante e, desta feita, que brilhava por mim...

Chegado o exame, provei àquele homem q tinha valido a pena ter-me ensinado a ler um texto nas linhas e nas entrelinhas e, sobretudo, o ter-me ensinado a ler o q nem nas entrelinhas está...

Quando lemos um pedaço de escrita, não nos basta ler as palavras. Para desfrutarmos verdadeiramente do q está escrito, basta-nos tão-somente tentar imaginar os olhos do seu escritor tentando assim ler-lhe a alma. Na alma, sim, nesse pedacinho de nós e dos outros, que nem sabemos bem onde se encontra, está o princípio, o meio e o fim de qualquer história que nos é narrada, apresente-se ela sob a forma que se apresentar. Se nos limitarmos a juntar as letras e a repetir interiormente as palavras que alguém escreve, perdemos a alma do que nos quis dizer ou até daquilo que nos quis esconder...
Compreendendo tudo isto, eu concluí que me basta um livro ou apenas um lápis e um pedaço de papel para nunca estar só!
Foi nesse momento q resolvi ser professora de Português. Não almejo perfeição... essa só a quero em pequenos momentos, mas ficarei feliz se um dia souber que um aluno meu se apaixonou pelas palavras, como eu me apaixonei... se de alguma forma eu tiver contribuído para que alguém tenha aprendido a não estar só. Alguém cujo olhar emane brilho ou derrame lágrimas ao ler ou escrever o q quer q seja!...

Um beijo aos dois homens q me ensinaram a ler: o meu pai e o prof Jaime Vilar (onde quer q estejam!)


Cris (Do Jardim da Minha Alma)

8 comentários:

Paula disse...

Olá querida amiguinha linda!

Um dia aprendeste a ler, a seguir a gostar de escrever e aqui está o resultado, neste teu maravilhoso espaço.

Adorei este fantástico texto, e sem tua autorização adicionei-o no meu Blog, que também é teu, pelo contributo que tens dado com os teus textos e poema adicionados recentemente por mim.

Adorei conversar contigo e quero muito voltar a fazê-lo, com mais tempo, para desfrutarmos da companhia uma da outra.
És linda Cristina, uma pessoa com muito talento que admiro muito e essencialmente muito carinhosa.

Sente o meu abraço muito apertadinho e um beijinho muito grande,

Ana Paula

Inha... disse...

Olá...

Descobri este mundo dos blog's há pouco tempo... e enquanto andava a familiarizar-me com este descobri o seu Blog, e desde esse momento fiquei presa a ele...não posso dizer que só agora me apaixonei pelas palavras, esta "paixão" é algo que já descobri há uns tempinhos (mas... nunca gostei de Português) Não só adorei este post, como concordo a 100% com o que aqui escreveu, apenas juntar as letras e construir as palavras não tem signicado nenhum, temos de dar tudo o quehá em nós, para que possamos dar vida e sentido a essas palavras... o mesmo acontece na música, não basta tocarmos as notas musicais com um som bonito e afinado, é necessário dár á música a nossa vida,assim, tudo muda, a música passa a ter a vida e a ter um significado, algo que cada um dá, á sua maneira... tormando a músicam, tal como as palavras, uma forma de mostrarmos o que existe dentro de nós...

Deixo-lhe um beijinho e digo-lh que pode "dar por bem entregue o pedacinhoi de vida que dedicou a este canto..."

Amaral disse...

Bom dia, sra.professora! Três meses de férias só acontecia no passado... e a pouca gente...
Mas o tempo passa célere e um mimo como este preenche o deserto que ficou para trás...
Grande Jaime que fez despontar um dom e um gosto especial que andavam escondidos...
Algo grande aconteceu. "...concluí que me basta um livro ou apenas um lápis e um pedaço de papel para nunca estar só!"
Que mais é preciso dizer para achar este testemunho uma preciosidade?...
Certamente, muitos alunos já se apaixonaram pelas (tuas) palavras e com elas passaram a conviver, com um brilho no olhar outro no coração...

Cris disse...

Ana,
Também eu adorei conversar ctg e prometo q uma dia destes te ligo para irmos tomar um café e conversar um bocadinho.

Sabes Ana, tenho andado mt preguiçosa para escrever, mas tu lembraste-me, com o teu afecto e a tua forma de olhar os meus textos, que para as palavras tem q haver sempre um tempinho... elas merecem.

Obrigada amiga!
Um beijo doce!

Cris disse...

Inha,
Muito obrigada pelas tuas palavras. És muito benvinda a este cantinho.

beijinho!

Cris disse...

Amaral,
Isto n foram férias, foi muito trabalho mesmo.
Este estafermo da nossa ministra nem me deixa tempo para ser professora... e depois a escrita é q paga... mas eu vou tentar! Prometo!

Obrigada, meu amigo! Tu nunca te ausentas... e dás-me sempre força para continuar!
Um beijo imenso!

JFS disse...

"Te lendo vejo a lua sorrir numa noite de luar ao pé do mar"
Existem pessoas especiais que nos fazem soltar algo escondido bem fundo no nosso interior (quem sabe há quanto tempo). Depois de te ler olhei diferente para a noite de luar.
Francisco.

Erica disse...

Oi... a algum tempo encotrei o teu blog numa das minhas noite de insonia na net e AMEI!!! Lia sempre, mais acabei perdendo o contato e hoje eu o encontrei novamente, sou uma apaixonada das suas palavras. Nunca pare de escrever. Um forte abraço
Ass: Érica Costa
Brasil