
Às vezes apetecem-me os passeios sem estrada nem trilho e, simplesmente, vou caminhando...
Hoje, fui até uma saia de preguinhas, de um xadrezinho em tons de azul, que recordo num colo seguro e risonho que já partiu... Nessa saia das preguinhas, eu lembro como era bom correr ao longo do caminho que me levava a casa da ti Encarnação do Torcato, que me sorria por entre a falta tão grande de dentes e me dizia, plena de ternura, como quem ralha a brincar: "Lá vem o diabrete das coxinhas gorduchas... Olha que tu num t'alembres de me soltar os patos, mafarrica! "E eu lá lutava contra o desejo de a ver naquela correria extraordinariamente manca atrás dos bichinhos... e acabava por não os soltar... Depois era o aroma do leite acabadinho de tirar e o ti Torcato, sempre apoiado no seu velho cajado, e a coçar os poucos cabelos que lhe restavam, na velha azáfama de ir levar o leite ao posto: "Queres vir comigo cachopa? Levo-te em cima da vaca... " Fascinava-me a ideia de ir em cima da Formosa, mas a avó podia ralhar... E nunca fui!
Noutros dias a minha saia de preguinhas levava-me com a Ana em busca de musgo fresquinho e bem verde para enfeitar o presépio que ia encher completamente o vão das escadas e subir em estrelas e luzes ao longo do pinheiro que o Sr. António todos os anos ia cortar ao pinhal, para dar de presente ao Avô Pinto...
E o que eu sonhava junto daquele presépio a transbordar de imagens que ganhavam vida logo que banhadas pelas luzes de tantas cores... Durante semanas aquele era o lugar mais bonito do mundo e as minhas brincadeiras e sonhos passavam a ter uma paisagem cheias de trilhos por onde os meus deditos passeavam transformando-se em pastores, moinhos, ovelhas, reis ou anjos... apanhava as flores mais pequeninas que encontrava no jardim para tornar aquele paraíso mais real, e dava até uma casa aos bichinhos-de-conta do quintal que tinham, concerteza, no Natal, um espaço cheio de amor e carinho para se enrolarem confortavelmente nos seus medos... às vezes eram caracóis e até sardões, porque as crianças ainda não cresceram o suficiente para terem nojo ou medo dos animais do jardim...
O pior é que a avó já era crescida e quando dava conta da bicharada fazia do chinelo uma rebarbadora e punha abaixo o bairro de lata do meu presépio...
Eu... ficava de castigo e a minha saia de preguinhas enxugava-me as lágrimas...
Depois, mais tarde, chegava o meu colo imenso que me aconchegava ao peito, enquanto endireitava a minha saia de preguinhas e me dizia: "Porque é que a minha menina faz tantas asneiras?"
Não eram... mas ele não sabia! Afinal também já tinha crescido...
Cris (Do Jardim da Minha Alma)